O ajuizamento de ação diretamente contra o agente público causador do dano

A responsabilidade objetiva do Estado pode afastar o ajuizamento de ação reparatória diretamente contra o agente público causador do dano?

Por força constitucional, o Estado brasileiro tem o dever de indenizar os danos provocados por sua atividade, independentemente de dolo ou culpa de seus agentes.

Mas o que ocorre se a vítima preferir buscar a reparação diretamente do agente causador do dano?

O Estado conta com prazos processuais diferenciados, possui uma equipe jurídica inteiramente à disposição. Além disso, a depender do resultado, a fase de execução também pode seguir ritos mais onerosos.

Então, porque a vítima deve acionar o Estado, ao invés de entrar com a ação diretamente contra quem lhe causou o dano?

Essa questão não é simples, pois somente se a pessoa agiu com dolo ou culpa ela poderá ser responsabilizada. Em situações assim, o Estado paga para a pessoa que sofreu o dano e depois pode entrar com ação de regresso contra o agente, para recuperar o dinheiro que pagou na indenização.

Porém, quando o dano ocorre sem a intenção ou a falta de cuidados do agente público, o Estado deve arcar sozinho com o prejuízo. Se o freio do carro de polícia quebra por defeito, não se deve penalizar o motorista.

Por outro lado, é somente no curso do processo judicial que o juiz irá descobrir se o agente público agiu com dolo ou culpa.

É possível ajuizar a ação diretamente contra o agente público?

É bastante plausível a tese de que imputar ao agente público os riscos inerentes à administração pública transfere a ele um ônus excessivo e indevido.

Levando em consideração essa perspectiva, o cidadão que sofreu um dano decorrente da atividade estatal deveria ajuizar a ação contra o Estado, não contra a pessoa que agia em nome dele. Mas, no direito, quase nada é unanimidade.

Um caso emblemático

Investigando essa questão na jurisprudência, há um caso curioso. É uma ação por danos morais que tramitou em Sergipe, contra a diretora de uma escola estadual.

No primeiro grau, a justiça julgou procedente o pedido e condenou a diretora. Esta, por sua vez, apelou ao Tribunal de Justiça.

Na Câmara que analisou o recurso, decidiram que ela não poderia estar no polo passivo da demanda (não poderia ser ré). O fundamento para acatar o recurso era que a ação deveria ter sido proposta contra o Estado e não contra a diretora.

Inconformada, a autora recorreu também. Alegou que esse entendimento violava os Códigos Civil e e de Processo Civil.

Segundo ela, apesar de o ato ter sido praticado por agente público no exercício de suas funções (no caso, a diretora), a demanda indenizatória foi movida no âmbito privado.

Isso porque a autora amparou sua pretensão na comprovação do dolo ou da culpa da ré. Ou seja, a autora tinha a “certeza” de que a responsabilidade era da ré e por isso alegou essa tese na petição inicial.

Segundo a teoria da asserção, as condições da ação se vinculam à narrativa do autor. Isso quer dizer que se o autor alega que o réu agiu com dolo ou com culpa, ele preencheu os pré-requisitos para ingressar com a ação de indenização.

Porém, isso não significa que ao aceitar a legitimidade da parte ré ocorreu um julgamento sumário das condições da ação, já que é somente durante o processo que o juiz verifica se o autor era ou não titular do direito que ele alegava ter.

O posicionamento do Poder Judiciário

Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), se a narrativa da petição inicial indicava que a ré era parte legítima, então ela poderia configurar na posição passiva da ação reparatória.

Afinal, as pessoas são obrigadas a indenizar as outras quando agem, quando deixam de agir voluntariamente, ou quando atuam com negligência ou imprudência, e, por causa dessa conduta, violam o direito de alguém.

Ao provocar danos (ainda que só morais), é possível que a pessoa que sofreu o dano busque o ressarcimento ou a indenização na esfera civil. E isso não depende da qualificação pessoal de quem causou o estrago.

Assim, o Tribunal entendeu que era possível ao autor ingressar com a ação diretamente contra a diretora. Entendeu que o “cerne da questão reside no direito de ação e o particular que alegar ofensa a seu direito individual por ato praticado por agente público pode acionar o Estado, ou o funcionário ou ambos”1.

Na ótica do relator, cabe ao autor avaliar as vantagens de propor a ação em face do Estado – que pode posteriormente ajuizar ação regressiva contra o servidor –, ou contra o agente público.

Opinião sobre essa questão

Entretanto, apesar de compreender os argumentos do STJ, esse entendimento pode prejudicar o desenvolvimento da própria atividade Estatal.

Afinal, o serviço público pode deixar de ser eficaz se os agentes públicos (policiais, bombeiros, professores, médicos…) passarem a atuam com excesso de cautela.

Isso porque as pessoas que atuam em nome do Estado não querem que todo o risco da atividade do Estado recaia sobre elas.

Considerações finais

O objetivo do § 6º, do artigo 37 da Constituição Federal, que impõe ao Estado o dever de indenizar pelos danos decorrentes de suas atividades, é proteger os cidadãos.

Mas, ao mesmo tempo, esse artigo também dá tranquilidade aos servidores públicos, para que ajam com perícia, prudência e de forma diligente.

Se uma pessoa age em nome do Estado, de modo diligente, sem fazer nada de errado, não é certo que ela arque com o ônus de enfrentar um processo judicial, o que por si só custa bastante a ele, mesmo que lá na frente o juiz o absolva.

Assim, é possível concluir que, ao afastar esse entendimento, o STJ removeu indevidamente uma garantia constitucional que protegia os agentes públicos.

Em última instância, essa proteção também beneficia a população, pois se o agente tem receio de atuar, pode comprometer os serviços públicos.

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A autora desenvolveu o texto a partir de um trabalho acadêmico que foi apresentado nas II Jornadas Luso-Brasileiras de Responsabilidade Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal), em 2018 .



REFERÊNCIAS

1 (REsp 731.746/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/08/2008).

CANOTILHO, J J G. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. 
DI PIETRO, M S Z. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. 
GONÇALVES, C R. Responsabilidade civil. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 
MARINONI, L G, Curso de Processo Civil. Vol. 1 – Teoria Geral do Processo. 3ª Ed. São Paulo: RT, 2008. 
MELLO, C A B. Curso de Direito Administrativo. 30ª Ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2013